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a grande burguesia (dalton)



A GRANDE BURGUESIA (Roque Dalton, El Salvador, 1935-1975)

Os que produzem a aguardente e depois dizem que não tem que aumentar o salário dos camponeses porque vão gastar tudo em aguardente

Os que na vida familiar falam exclusivamente em inglês entre quadros de Dubuffet e cristais Bohemia e fotografias de tamanho natural de éguas trazidas de Kentucky e de Viena e nos cobram diariamente em suor e sangue seu doloroso despertar cotidiano neste país de índios sujos tão longe de New York e Paris

Os que compreenderam que Cristo quando se olha direito as coisas foi realmente o Anticristo (por tudo isso de amai-vos uns aos outros sem distinguir entre os esfarrapados e as pessoas decentes e isso dos cristãos primitivos conspirando na cumplicidade das catacumbas e da agitação contra o Império Romano e o peixe tão parecido com a foice e o martelo) e que o verdadeiro Cristo nasceu neste século e se chamou Adolf Hitler

Os que votam em El Salvador no presidente eleito dos Estados Unidos

Os que propiciam a miséria e a desnutrição que produzem os tísicos e os cegos e depois constroem sanatórios e centros de reabilitação de cegos para poder explorá-los apesar da tuberculose e da cegueira

Os que não tem pátria nem nação aqui mas só uma quinta limitada ao noroeste com Guatemala ao norte com Honduras ao sudeste com o golfo de Fonseca e Nicarágua e ao sul com o Oceano Pacífico quinta na qual os americanos vieram pra montar algumas fábricas e onde pouco a pouco foram surgindo cidades povos vilas e aldeias cheias de brutos que trabalham e de brutos armados até os dentes que não trabalham mas mantêm em seus postos os brutos que trabalham

Os que dizem aos médicos e aos advogados e aos arquitetos e aos agrônomos e aos economistas e aos engenheiros que quem a boa árvore se acolhe boa sombra o cobre e que é preciso fazer a cada ano Códigos Penais mais drásticos e hotéis e casinos iguais aos de Miami e planos quinquenais iguais aos de Porto Rico e operações civilizadoras que consistem em eliminar a mancha azul do cu dos distintos senhores e senhoras e regadios que levem a pouca água de todos exclusivamente para a terra onde cresce essa boa árvore que tão boa sombra dá principalmente aos que não estão profissionalmente dispostos a deixar de ignorar tantos fedorentos e tantos descalços

Os que para ter liberdade de imprensa e direitos constitucionais compraram jornais e rádios e centrais de TV com tudo e jornalistas e locutores e câmeras e compraram a Constituição política com tudo e a Assembleia Legislativa e a Corte Suprema de Justiça

Os que para dormirem seguros não pagam o vigia do quarteirão ou do bairro mas sim diretamente ao Estado Maior Conjunto das Forças Armadas

Os que efetivamente têm tudo que perder

(tradução do poeta Lucas Bronzatto!)


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