A MÃE
(Gioconda Belli, Nicarágua, poeta que também foi guerrilheira, nascida em 1948)
A mãe
trocou de roupa.
A saia virou calça;
os sapatos, botas;
a pasta, mochila.
Já não canta cantigas de ninar,
canta canções de protesto.
Vai despenteada e chorando
um amor que a envolve e assombra.
Já não ama somente seus filhos,
nem se dá somente a seus filhos.
Leva suspensas nos peitos
milhares de bocas famintas.
É mãe de meninos maltrapilhos
de molequinhos que rodam pião em calçadas empoeiradas.
pariu a si mesma
sentindo-se — às vezes —
incapaz de suportar tanto amor sobre os ombros,
pensando no fruto de sua carne
— distante e sozinho —
chamando por ela na noite sem resposta,
enquanto ela responde a outros gritos,
a muitos gritos,
mas sempre pensando no grito solitário de sua carne
que é um grito a mais nessa gritaria de povo que a chama
e lhe arranca até os próprios filhos
de seus braços.
(Tradução: Silvio Diogo, livro “O Olho da Mulher”, Editora Arte Desemboque)
Foto: David Díaz Arcos, imagem que se tornou símbolo dos protestos no Equador em 2019
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