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A mãe (Gioconda belli)

  • Foto do escritor: Trunca
    Trunca
  • 4 de fev. de 2020
  • 1 min de leitura












A MÃE (Gioconda Belli, Nicarágua, poeta que também foi guerrilheira, nascida em 1948)

A mãe trocou de roupa. A saia virou calça; os sapatos, botas; a pasta, mochila. Já não canta cantigas de ninar, canta canções de protesto. Vai despenteada e chorando um amor que a envolve e assombra. Já não ama somente seus filhos, nem se dá somente a seus filhos. Leva suspensas nos peitos milhares de bocas famintas. É mãe de meninos maltrapilhos de molequinhos que rodam pião em calçadas empoeiradas. pariu a si mesma sentindo-se — às vezes — incapaz de suportar tanto amor sobre os ombros, pensando no fruto de sua carne — distante e sozinho — chamando por ela na noite sem resposta, enquanto ela responde a outros gritos, a muitos gritos, mas sempre pensando no grito solitário de sua carne que é um grito a mais nessa gritaria de povo que a chama e lhe arranca até os próprios filhos de seus braços.

(Tradução: Silvio Diogo, livro “O Olho da Mulher”, Editora Arte Desemboque)

Foto: David Díaz Arcos, imagem que se tornou símbolo dos protestos no Equador em 2019




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