11 de setembro de 1973. O Palácio do governo chileno amanhece sob ataque de aviões e tanques. O presidente eleito Salvador Allende resiste ali dentro até sua morte. Inicia-se a sangrenta ditadura de Pinochet.
ALLENDE
(Mario Benedetti, Uruguai, 1920-2009)
Para matar o homem da paz
para golpear sua fronte limpa de pesadelos
tiveram que se converter em pesadelo
para vencer o homem da paz
tiveram que congregar todos os ódios
e também os aviões e os tanques
para derrotar o homem da paz
tiveram que bombardeá-lo fazê-lo chama
porque o homem da paz era uma fortaleza
para matar o homem da paz
tiveram que desencadear a guerra turva
para vencer o homem da paz
e calar sua voz modesta e perfurante
tiveram que empurrar o terror até o abismo
e matar mais para continuar matando
para derrotar o homem da paz
tiveram que assassiná-lo muitas vezes
porque o homem da paz era uma fortaleza
para matar o homem da paz
tiveram que imaginar que era uma tropa
uma armada uma legião uma brigada
tiveram que acreditar que era outro exército
mas o homem da paz era tão somente um povo
e tinha em suas mãos um fuzil e um mandato
e eram necessários mais tanques mais rancores
mais bombas mais aviões mais desonra
porque o homem da paz era uma fortaleza
para matar o homem da paz
para golpear sua fronte limpa de pesadelos
tiveram que se converter em pesadelo
para vencer o homem da paz
tiveram que se unir para sempre à morte
matar e matar mais para continuar matando
e condenar-se à blindada solidão
para matar o homem que era um povo
tiveram que ficar sem o povo
(Mario Benedetti, tradução de Lucas Bronzatto)
Foto: Luis Orlando "Chico" Lagos, minutos antes do bombardeio ao Palácio de la Moneda
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