COM AS MESMAS MÃOS
(Roberto Fernández Retamar, Cuba, 1930, 2019)
Com as mesmas mãos de te acariciar estou
construindo uma escola.
Cheguei quase ao amanhecer, com as que pensei
que seriam roupas de trabalho,
Mas os homens e os rapazes que em seus
farrapos esperavam
Ainda assim me chamaram de senhor.
Estão em um casarão quase desmoronando
com muitas camas pequenas e paus: ali passam
as noites
Agora, em vez de dormir embaixo das pontes
ou nos vestíbulos.
Um deles sabe ler, e o mandaram buscar quando
souberam que eu tinha biblioteca.
(É alto, luminoso, e usa uma barbinha no
insolente rosto mulato.)
Passei pelo que será o refeitório escolar, hoje
sinalado apenas por pedaços de madeira
Sobre os quais meu amigo traça com seu dedo
no ar janelas grandes e portas.
Atrás estavam as pedras, e um grupo de
rapazes
Transportavam-nas em velozes carriolas. Eu
pedi uma
E comecei a aprender o trabalho elementar
dos homens elementares.
Logo tive minha primeira pá, e tomei a água
silvestre dos trabalhadores.
E, fadigado, pensei em ti, naquela vez
Que você ficou fazendo uma colheita até
a vista escurecer
Como agora a mim.
Que distantes estávamos das coisas verdadeiras,
Amor, que distantes – como um do outro!
A conversa e o almoço
Foram merecidos, e a amizade do pastor.
Houve até um casal de apaixonados
Que se envergonhavam quando nós os apontávamos
rindo,
Fumando, depois do café.
Não há momento
Em que não pense em ti.
Hoje talvez mais,
E enquanto ajude a construir esta escola
Com as mesmas mãos de te acariciar
(Tradução: Lucas Bronzatto)
Foto: Jornadas de trabalho voluntário dos primeiros anos da revolução cubana (Cubadebate)
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Seguimos com nossas homenagens ao grande Roberto Fernández Retamar, que nos deixou este final de semana. Gracias, Roberto!
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