(foto Sebastião Salgado / Serra Pelada)
UM HOMEM PASSA COM UM PÃO AO OMBRO
(Cesar Vallejo, Peru, 1892-1938)
Um homem passa com um pão ao ombro
- Vou escrever, depois, sobre o meu duplo?
Outro senta-se, se coça, tira um piolho da axila, mata-o
- Com que valor falar da Psicanálise?
Outro entrou em meu peito com um pau na mão
- Falar, em seguida, de Sócrates ao médico?
Um coxo passa dando o braço a um menino
- Vou, depois, ler André Breton?
Outro treme de frio, tosse, cospe sangue
- Convirá não aludir jamais ao Eu profundo?
Outro busca no lodo ossos e cascas
- Como escrever, depois, sobre o infinito?
Um pedreiro cai de um telhado, morre, já não almoça
- Inovar, em seguida, o tropo, a metáfora?
Um comerciante rouba um grama no peso a um freguês
- Falar, depois, da quarta dimensão?
Um banqueiro falsifica seu balanço
- Com que cara chorar no teatro?
Um pária dorme com um pé às costas
- Falar, depois, a ninguém, de Picasso?
Alguém vai a um enterro soluçando
- Como em seguida ingressar na Academia?
Alguém limpa um fuzil em sua cozinha
- Com que valor falar do mais além?
Alguém passa contando com seus dedos
- Como falar do não-eu sem dar um grito?
(Tradução de Jeff Vasques )
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