NÃO PODERÃO NOS PRENDER
(Jorge Enrique Adoum, Equador, 1926-2009)
Rumiñahui - rosto de pedra e pátria -,
quando viu o conquistador em seu cavalo
errante, gritou desde a altura: O solo
é nosso, não se troca por espelhos
ou cruzes ou miçangas, não há cidade
nem mulher para o estranho nem dourada
joalheria para o rei. E o espanhol,
amarrando-lhe as mãos, queimando
seus pés que já havia traçado
o único caminho que conheço, dizia:
Aí vai o agitador, recebe ordens
contra nós. E Rumiñahui respondia:
Minha tribo é grande, não podereis
nos amarrar. Faltará corda.
(O herói ainda está na montanha
confundido com a terra e com seu heróico
povoador. Cada dia esteve ali
falando conosco, crescendo conosco,
nos ditando a grandes vozes o destino.)
E quando outra vez chega o estranho
e invade a bodega da pátria e seus assuntos,
e impõe pactos de guerreiro que não sou
e não quero, e decretos de terra conquistada
que negamos, me tremem na boca
as antigas palavras - sangue, som,
argila - : A pátria é nossa,
não está à venda seu vulcânico
arquipélago, não há nem mineral
nem homem que ajude à violência.
E o norteamericano me assinala,
me inclui em sua lista de áspera
vingança (como um aro me circundam
suas leis) e diz: Olhe, também
este recebe ordens contra nós.
E Rumiñahui, desde o cume, segue
repetindo: Não podereis nos prender.
Minha tribo cresceu a povo inumerável
e livre, e faltará corda, sempre
faltará, a vocês, muita corda.
--
Rumiñahui - foi um general do império inca que liderou a resistência contra os espanhóis. Estava quase os derrotando quando a erupção do vulcão Tungurahua pôs tudo a perder.
Ele foi preso, torturado e queimado em praça pública.
(Tradução e nota: Jeff Vasques)
Imagem: Chile, 2019: Cabeça da estátua de Pedro Valdivia, símbolo do genocídio promovido pela Espanha no Chile, é pendurada nas mãos da estátua de Caupolicán, lider do povo Mapuche no século XVI.
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